Publicado em: 17/10/2023
Empresas multadas por órgãos reguladores, ambientais ou de proteção ao consumidor ganharam um importante precedente no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). A 1ª Turma da Câmara Superior, última instância do órgão, entendeu que essas penalidades podem ser abatidas do Imposto de Renda (IRPJ).
A decisão, por maioria de votos, representa, segundo especialistas, uma mudança de entendimento da Câmara Superior, que até então vinha negando a dedução de multas não tributárias – aplicadas, por exemplo, pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Ibama ou Procon.
A discussão envolve o artigo 311 do Regulamento do Imposto de Renda (Decreto nº 9.580, de 2018). O dispositivo trata da possibilidade de dedução das despesas “necessárias, usuais ou normais” do cálculo do Imposto de Renda. Mas não especifica o que estaria autorizado.
Nos processos, os contribuintes alegam que essas multas não tributárias devem ser consideradas como despesas necessárias, uma vez que fazem parte do risco do negócio. Argumentação que foi aceita recentemente pela 1ª Turma da Câmara Superior.
O caso analisado é de uma empresa produtora de açúcar, etanol e bioeletricidade da Bahia, que deduziu do IRPJ o que teria pago de multas do Instituto do Meio Ambiente (IMA). A decisão foi dada em recurso da Fazenda Nacional contra acórdão a favor do contribuinte de turma ordinária (processo nº 10530.721720/2014-81).
A Fazenda Nacional alega, no recurso, ser inconcebível multas de natureza não tributária serem consideradas dedutíveis. Entende não serem necessárias para a atividade empresarial, além de decorrerem da falta de zelo do contribuinte.
O relator, conselheiro Luiz Tadeu Matosinho Machado, representante da Fazenda, aceitou a argumentação da Fazenda Nacional, mas ficou vencido. Para ele, “admitir a dedução da multa e, por consequência, reduzir o pagamento do IRPJ da infratora equivale a dividir o custo da infração com a sociedade”.
Ele destaca, no voto, que entre as atividades exercidas pela empresa está a fabricação de açúcar e álcool, que no seu processo produtivo elimina um resíduo conhecido como vinhaça. Esse resíduo, se não tiver um tratamento adequado e for descartado em rios ou diretamente no solo, acrescenta, provoca sérios danos ambientais, como morte de peixes por falta de oxigênio, “o que afeta direta e imediatamente toda a população ribeirinha, provocando dano de valor social e ambiental incalculável”.
A divergência foi aberta pelo conselheiro Guilherme Adolfo dos Santos Mendes, também representante da Fazenda. Ele destaca, no voto, que, desde 2017, tem o entendimento de que a lei só impede a dedução de multas tributárias, mais especificamente daquelas que tratam do descumprimento de obrigação principal – ou seja, aplicadas em autos de infração.
De acordo com Mendes, as multas pelo descumprimento de deveres tributários diversos da falta de pagamento de tributos podem ser deduzidas por expressa previsão legal, conforme o parágrafo 5º artigo 41 da Lei nº 8.981, de 1995. E no caso das multas de natureza não tributária, acrescenta, “não faz sentido considerar indedutíveis”, por não haver previsão em lei que proíba.
“Podemos dizer com a mais absoluta segurança que é praticamente impossível, em muitos setores econômicos, conseguir guiar um empreendimento sem arcar com multas impostas pela administração pública. O risco faz parte do negócio, e suas consequências também, inclusive aquelas de cunho pecuniário punitivo”, diz ele em seu voto.